"Analfabetismo financeiro" atinge 99,2% das pessoas
Maior preocupação do brasileiro é saber se a prestação cabe no bolso
Quando faz compras parceladas, a auxiliar administrativa Leidiane de Lima presta atenção se a prestação cabe no bolso. Se o valor não comprometer o orçamento, ela compra, mas não sabe dizer se paga juros ou não nos parcelamentos. "Eu olho o tamanho da parcela. Não sei mesmo se tem juros nem como fazer a conta", diz. Assim como ela a quase a totalidade dos consumidores brasileiros não sabe calcular os juros que paga nas compras parceladas. Segundo pesquisa do portal Vida Econômica, 99,2% das pessoas não conseguem fazer o cálculo de quanto estão pagando de juros.
A pesquisa mostra ainda que 96% dos compradores olham apenas se conseguirão pagar as prestações. "Ao não saber fazer as contas dos juros compostos dos financiamentos, o consumidor sofre as consequências nefastas do ‘analfabetismo financeiro’, que podem levar ao superendividamento e à inadimplência", diz a conclusão do estudo, que foi coordenado por Miguel José Ribeiro de Oliveira e Vicente Teixeira.
"É uma questão cultural. As pessoas acham que falar de taxa de juros é um assunto muito árido, então, olham apenas se a prestação é razoável", diz o conselheiro do Conselho Federal de Economia (Cofecon) Wilson Siqueira.
Ele afirma que esse desconhecimento pode se tornar uma armadilha para o consumidor, que gasta mais do que deveria para comprar produtos e serviços. "Os bancos e o comércio exploram muito bem essa ignorância do consumidor sobre o tema", diz.
Embutido. Siqueira alerta que mesmo os parcelamentos anunciados como sem juros escondem taxas que, nos cálculos que ele faz com base em outros indicadores, são de 1,5% a 2% ao mês. A orientação, nesses casos, é pedir desconto para pagamento à vista, tarefa que nem sempre é fácil.
Leidiane, por exemplo, acabou de comprar uma máquina de lavar roupas em seis parcelas anunciadas como sem juros. "A vendedora falou que era sem juros, eu acreditei e comprei. Fiz uma continha básica, o preço foi o mesmo do pagamento à vista. Como eu vou saber se os juros estão embutidos ou não?", questiona.
Siqueira diz que o consumidor não tem mesmo como saber se os juros estão embutidos e que deveria haver mais rigor por parte dos órgãos de fiscalização para cumprir as determinações da legislação de defesa do consumidor, que determina que o custo efetivo total, que inclui juros e outras taxas e encargos embutidos em financiamentos, seja informado de maneira clara e transparente.
O levantamento do Portal Vida Econômica foi realizado durante um ano e mostra também que 88% das pessoas gostariam de aprender a encontrar as taxas que são cobradas nas compras parceladas. Em suas conclusões, os coordenadores do estudo, Miguel José Ribeiro de Oliveira e Vicente Teixeira, dizem que o desconhecimento do consumidor afeta o orçamento doméstico. "Quase a totalidade dos consumidores tem feito as suas compras a prazo sem saber fazer as contas dos juros dos financiamentos e conseguir comparar de forma correta as melhores condições de preços, o que vai gerar dificuldades na elaboração do planejamento do orçamento familiar", diz o texto.
Desde que reduziu a Selic pela última vez, em outubro, a instituição vem repetindo que a estabilidade dos juros "por um período de tempo suficientemente prolongado é a estratégia mais adequada para garantir a convergência da inflação para a meta" de 4,5%.
Hoje, a inflação acumulada em 12 meses está em 5,45%, e a expectativa do próprio BC é que só recue para o centro da meta em setembro de 2013. Em outubro, a autoridade monetária também citou a recuperação da atividade doméstica, que já cresce quase 5%, e a complexidade que ainda existe no ambiente internacional como justificativas para o corte.
Outro fator que aumentou as apostas na manutenção dos juros foi que a última decisão do Copom não foi unânime, pois três dos oito diretores do BC já queriam interromper a queda da Selic no mês passado.