Nossos filhos sem domésticas
SÃO PAULO - Um cabo de guerra de mulheres está em curso no país.
Cada time puxa de um lado do processo civilizatório. As vítimas serão nossos filhos --ou os delas; depende do lado da corda em que se está.
Um grupo é o daquelas que, como diz Delfim Netto, fizeram a "revolução": era uma senhora que prestava serviços domésticos, estudou, foi promovida a manicure, a cabeleireira. Preparou-se mais, foi para o call center, virou caixa de supermercado.
Resultado: cresceu a ocupação em todo o país, mas a categoria das domésticas encolheu. As que ficaram tiveram reajustes pelo dobro da inflação e são disputadas a tapa pelas mulheres na outra ponta da corda.
Essas (e longe de mim atirar a primeira pedra) já enxergam o dia em que não poderão arcar com as empregadas. Cedem espaço no cabo de guerra, ainda lentamente por causa do "estoque" de domésticas --cujas filhas jamais seguirão seus passos.
Só por um salário competitivo e com condições profissionais --no Brasil, sabemos, relações entre patrões e empregados são ambíguas. (Para dizer o mínimo. Em Higienópolis, uma criada que fritava o filé-mignon da sinhá recebia carne de segunda e era orientada a lavar seu prato com esponja específica, que não tocasse a porcelana dos patrões.)
A próxima geração dos "ricos-mas-nem-tanto" será a vítima, porque ainda é criada para achar natural morar em apartamentos enormes que não conseguimos limpar sozinhos, receber refeições feitas na hora e ver louças e roupa suja desaparecerem por encanto para ressurgir impecáveis.
Pós-choque, talvez eduquem nossos netos (homens finalmente incluídos) para a realidade. E o Brasil deixará de ser visto por estrangeiros como selvagem paraíso do qual o que mais se sente falta são os serviços domésticos (como, nesta semana, no site da "Forbes").
Fonte: Folha de SP