Estabilidade abriu oportunidades e mudou o mercado profissional

02 de Julho de 2012
por: Pedro Rocha Franco e Marinella Castro

Eles comemoraram aniversário no mês de entrada em circulação da atual moeda brasileira. Mas a diferença de 18 anos entre a data de nascimento de cada um impõe sérias variações em relação às condições de ingresso no mercado de trabalho. Em julho de 1994, enquanto a Casa da Moeda tirava do forno as primeiras notas de real, Edilaine, à época com 18 anos, abria as portas de sua carreira profissional no mundo administrativo enfrentando um turbilhão de incertezas; Antônio Edmundo, com o dobro da idade, de certa forma estabilizado no ramo da construção, aproveitava as perspectivas para criar sua primeira empresa; enquanto isso, assim como a moeda, o recém nascido Jafet tinha como esperança a promessa de uma nova – e mais próspera – realidade econômica.

'Hoje é certo que, se você for bom no que faz, uma empresa vai reconhecê-lo', diz Jafet Henrique Guerra Fagundes, estudante (Marcos Vieira/EM/D.A Press)  
"Hoje é certo que, se você for bom no que faz, uma empresa vai reconhecê-lo", diz Jafet Henrique Guerra Fagundes, estudante

No ano da maioridade do Real, o mercado de trabalho dá mostras de atingir maturidade e mês a mês os níveis de emprego batem recorde, superando inclusive os momentos de crise. Em Minas, depois de atingir patamares críticos na década passada, a taxa de desemprego baixou da casa de dois dígitos e reduziu por mais da metade se comparado com o primeiro ano de medição (1996). Bom para Jafet, que se prepara para enfrentar o que um dia foi um bicho-papão. Mas, nem por isso, o jovem é menos exigido. Pelo contrário. Em busca do sucesso profissional, o estudante se vê obrigado a preparar-se com afinco antes de procurar o primeiro emprego. Aos 18, ele estuda quase 10 horas por dia – incluindo as aulas particulares quase obrigatórias de inglês e espanhol – e pensa primeiro em cursar engenharia civil para depois tentar uma oportunidade numa grande empresa. “Hoje é certo que, se você for bom no que faz, uma empresa vai te reconhecer”, afirma o estudante Jafet Henrique Guerra Fagundes.

Com o maior acesso ao ensino superior, de longe o casamento não é mais prioridade na vida dos jovens brasileiros, que cada vez mais demoram a sair da aba dos pais. Dos anos 1990 para cá, a porcentagem da população com formação superior se multiplicou por três. E a formação educacional adequada se tornou a principal preocupação. Abandonar o conforto familiar, só se for para morar fora do país para reforçar o estudo de idiomas. No caso de Jafet, a exigência é ainda maior. Apesar de estar na lista das profissões mais demandadas, o mercado de trabalho para engenheiros requer trabalhadores superqualificados. “A exigência aumentou. A educação se disseminou muito. Anos atrás o Brasil tinha uma população universitária bem reduzida”, afirma Alexandre Queiroz Guimarães, doutor em economia política e professor da PUC Minas e da Fundação João Pinheiro.
'Naquele tempo (de inflação alta), mal dava para saber se osalário daria para pegar ônibus', afirma Edilaine Dutra, gerente administrativa  (Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)  
"Naquele tempo (de inflação alta), mal dava para saber se osalário daria para pegar ônibus", afirma Edilaine Dutra, gerente administrativa

Especialização

Apesar de ter tido oportunidades semelhantes às de Jafet, os tempos eram outros e o empresário Antônio Edmundo Bicalho de Melo recorda que, nos anos 1970, eram poucos os que se preocupavam com o aprendizado de um segundo idioma. Ele mesmo só aprendeu as primeiras frases em inglês aos 19 anos, meses antes de entrar na universidade. Assim como na Europa do pós-guerra, tal demanda só se deu com a modernização da indústria e do setor de serviços. Hoje, seu filho de 18 anos é fluente em inglês e italiano e há quatro anos estuda mandarim. Além disso, candidatos a uma vaga na sua empresa de engenharia só são aceitos com o título de mestrado em mãos. “Só um em cada 10 dos meus colegas fez mestrado. É provável que nenhum tenha feito doutorado. Eu mesmo só fiz pós-graduação porque queria dar aula”, afirma o engenheiro.

Caso tivesse nascido uns anos antes, Jafet teria enfrentado cenário completamente inverso. No início dos anos 1990, o setor de construção vivia paralisação quase completa e a economia borbulhava em meio às oscilações cambiais dos anos anteriores. Nesse cenário, Edilaine Dutra se viu obrigada a escolher entre tentar ingressar numa faculdade ou no mercado de trabalho. Não teve muitas dúvidas. Agarrou logo de cara a primeira chance numa grande empresa, deixando de lado o sonho de lecionar. Mesmo com cargo num nível mais baixo, sabia que não era hora de investimentos na carreira. “Hoje, com a moeda estabilizada se tem mais perspectivas. Dá para planejar mais. Naquele tempo, mal dava para saber se o salário dava para pegar ônibus”, afirma ela, que, com o país já ajustado, uma década depois conseguiu concluir o primeiro curso superior e, com isso, alcançou o cargo de gerente administrativa.

'Sóumem cada 10 dos meus colegas fez mestrado. É provável que nenhum tenha doutorado', conclui Antônio Edmundo Bicalho de Melo, empresário (Leandro Couri/EM/D.A Press)  
"Sóumem cada 10 dos meus colegas fez mestrado. É provável que nenhum tenha doutorado", conclui Antônio Edmundo Bicalho de Melo, empresário

Mínimo adquire poder de compra
De 1994 até hoje, com o controle inflacionário, o salário mínimo voltou a ganhar status e seu poder de compra também foi reforçado. Se no ano de implantação do real, o salário correspondia a apenas 10,97% do ganho necessário mensal para o brasileiro arcar com as despesas básicas constitucionais (alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência), em 2012, essa diferença é bem menor e o mínimo equivale a 26,09% do chamado salário necessário, segundo cálculos do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Socioeconômicas (Dieese). “Podemos perceber dois fatores: o aumento do número de consumidores e a melhoria na distribuição de renda. Quem recebe o mínimo hoje tem maior poder de compra”, afirma Alexandre Guimarães, doutor em economia política e professor da PUC Minas e da Fundação João Pinheiro.

Tal fôlego do salário mínimo corrobora plenamente com os argumentos adotados pelo governo para justificar a necessidade de adoção de uma nova moeda. "A par da garantia de irredutibilidade, a lei nova está dando ao salário uma vantagem inédita, pois com a conversão em Unidade Real de Valor (URV) o salário passa a acompanhar dia a dia a inflação. Esta vantagem é por demais preciosa, devendo ser defendida com todas as forças pelos trabalhadores", diz o texto da Medida Provisória assinada, em 30 de junho de 1994, por sete ministros do governo Itamar Franco para dar início à terceira fase do novo modelo econômico: a entrada em circulação do Real.
 
 
Fonte: Estado de Minas

 

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