A maioridade do real e a transformação da indústria brasileira

03 de Julho de 2012 às 09:21
por: Marta Vieira

 

Em dois tempos de vida do real, o nascimento e a maioridade da moeda, a  indústria pouco se reconhece, como mostra a terceira reportagem da série  Maioridade do real que o Estado de Minas publica desde domingo. No  escritório da Vilma Alimentos, uma das maiores fabricantes de massas do  país, o vice-presidente de marketing e vendas, Cezar Tavares, aponta uma  revolução nas linhas de produção guiada pelo bem, na forma do controle  da inflação e do ingresso de uma classe de consumidores até então  excluídos do mercado, mas também influenciada pelo mal do longo período  de juros altos e de valorização artificial do real sobre o dólar. A  estabilidade derrubou vícios que haviam deixado as empresas escravas da  gestão financeira do negócio, e implantou a era do planejamento, agora  beneficiada pelo custo mais civilizado do dinheiro, avalia o  diretor-presidente da Forno de Minas, Hélder Mendonça.
 
 
Indústria de alimentos foi a que mais elevou a produção nos 18 anos do real em Minas, com avanço de 238% (RENATO WEIL/EM/D.A PRESS %u2013 30/9/11) Indústria de alimentos foi a que mais elevou a produção nos 18 anos do real em Minas, com avanço de 238%
“Administrar  era algo crítico pela incapacidade da empresa de manter os custos  atualizados num cenário de inflação alta. Isso mascarou muitas  ineficiências até que a indústria se ajustasse”, afirma. A fabricante de  pão de quejo, folhados e laticínios viveu momentos marcantes da  história da indústria depois do real. A empresa de Contagem, na Grande  Belo Horizonte, saiu de uma produção de 3 toneladas mensais da iguaria  no começo dos anos 90 para 1,6 mil toneladas por mês ao ser vendida à  multinacional americana General Mills no fim da década. Voltou ao  controle da família Mendonça em 2009 e hoje produz ao ritmo de 1 mil  toneladas mensais.
Em comum, as empresas vivenciaram uma  reestruturação que forçou aumento de produção e de eficiência no chão de  fábrica. “O novo tempo exigiu produtividade, corte de desperdício e de  despesas, além de um fortíssimo processo de gerenciamento de custos para  motivar o consumidor. O cliente passou a conhecer o poder de compra da  moeda, pediu inovação e já não estocava produtos em casa”, afirma Cézar  Tavares. A Vilma praticamente dobrou de tamanho em comparação ao desenho  da fábrica em meados dos anos 90.
A indústria de alimentos foi a que  mais aumentou a produção física em Minas nos 18 anos do real, com um  acréscimo de 238%, conforme levantamento feito pelo analista Antônio  Braz de Oliveira e Silva, do Instituto Brasileiro de Geografia e  Estatística (IBGE). Ele observa que o resultado, bem acima da média de  49,5% do setor industrial no estado, é também reflexo da forte expansão  do agronegócio. No Brasil, as fábricas produziram 39,4% mais de janeiro a  abril deste ano do que na média de 1994. “O real trouxe a inflação a  níveis bem mais baixos, promoveu aumento de renda e aprofundou a  abertura do mercado brasileiro aos produtos estrangeiros, mas não  resolveu os problemas da carga tributária alta e da infraestrutura  ineficiente do país”, analisa Antônio Braz.
Boa parte da elevação do  consumo foi atendida pelas importações, com a exposição da indústria  brasileira à concorrência internacional, símbolo de tormenta para  segmentos como a indústria têxtil. Em Minas, a produção do segmento  levou a um golpe de 41,1% de queda no primeiro quadrimestre, em relação à  média de 1994. Aguinaldo Diniz Filho, presidente da Associação  Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), afirma que a  valorização cambial e a tributação se incumbiram de minguar a  competitividade que a indústria adquiriu. “A responsabilidade foi das  políticas complementares à criação do real. Em geral, o Brasil seria um  país absurdamente pior se o presidente Itamar Franco não tivesse a  coragem de implantar a nova moeda”, afirma o industrial.
Grande  furo
Uma gestão desastrada de receitas, por meio da arrecadação de  impostos, e despesas, com consequências negativas para o crescimento  econômico, fez com que a política fiscal se transformasse no grande furo  do plano para estabilizar o país, na avaliação de Lincoln Gonçalves  Fernandes, presidente do Conselho de Política Econômica e Industrial da  Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). “Fizemos um  esforço enorme nas privatizações (da mineração, siderurgia, setor  elétrico e de comunicações), houve ganhos de escala e foi tudo pelo ralo  das contas públicas mal geridas”, afirma. Guilherme Veloso Leão,  gerente da área de estudos econômicos da Fiemg, observa que, com uma  política fiscal fraca, o país acabou ficando refém da alta dos juros e  do câmbio, ingredientes de um processo de desindustrialização (perda de  participação da indústria no conjunto da produção de bens e serviços,  medida pelo Produto Interno Bruto, o PIB). Idêntico balanço faz o  vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e  Equipamentos (Abimaq), José Velloso Dias Cardoso. “As consequências  foram uma valorização irreal da nova moeda sobre o dólar e uma  transferência de renda brutal da indústria para os bancos”, diz.
 
 

Sem saudades do Fusca
 (MARCOS MICHELIN/EM/D.A PRESS- 2/12/10) 
Símbolo  mais sofisticado da produção da indústria que pegou carona na era do  Plano Real, o carro popular chacoalhou o mercado interno, já afetado  pela abertura aos importados no início dos anos 90. A ideia de um  veículo que o povo pudesse comprar, como justificava o então presidente  da República, Itamar Franco, foi lançada em 1993, portanto antes da  implantação da moeda. O governo federal assinou acordo com a antiga  Autolatina (joint-venture formada pela Ford e a Volkswagen), em razão de  um plano de voo abraçado por Itamar para o retorno do Fusca ao Brasil.
Para  viabilizar o carro popular, o Imposto sobre Produtos Industrializados  (IPI) foi baixado a 0,1% com a obrigatoriedade de que o modelo tivesse  motorização 1.0 e valor máximo de US$ 6,8 mil. Cotado na mesma base de  comparação, hoje o popular do presidente morto no ano passado deveria  estar na faixa de R$ 14 mil, mas isso não quer dizer o fracasso da  ideia, pelo menos para as montadoras, lembra o consultor do setor  automotivo André Beer, ex-vice-presidente da General Motors do Brasil e  da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores  (Anfavea). O popular mais barato é encontrado na faixa de R$ 23 mil (US$  11,2 mil).
“Houve um plano aplicado a um tipo de produto e, como  consequência, o programa se expandiu para produtos novos e a preços mais  acessíveis”, diz André Beer. Quanto ao Fusca, ele recorda que àquela  época o custo de produção era muito menor e se tratava de um projeto sem  futuro. “Eu mesmo dizia que colocar o Fusca no mercado seria retroagir  do ponto de vista da tecnologia”, afirma. Para o consultor do setor  automotivo Luiz Carlos Augusto, o marketing de Itamar se alimentou de um  projeto muito mais simples do Fusca em relação às transformações que o  mercado viveu.
“A indústria cresceu muito, diversificou os  lançamentos e o Brasil passou a ser importante no mercado automotivo.  Até então se contava os importados a dedo no país”, afirma Carlos  Augusto. De acordo com levantamento do analista do IBGE Antônio Braz de  Oliveira e Silva, a indústria de veículos automotores cresceu 72% (em  produção física) em relação à média de 1994. Em Minas, o setor cresceu  51,8% em idêntico período.
 
 
Fonte: Estado de Minas

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