Justiça obriga municípios e estado a pagar cirurgias de redução do estômago

26 de Marco de 2013
por: Paula Sarapu

Diante da longa espera para a cirurgia bariátrica em Minas Gerais, os pacientes estão recorrendo à Justiça para tentar vencer a obesidade mórbida. Mas nem mesmo a decisão judicial é garantia de vaga: o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou ao estado a realização de 16 operações desde 2011, mas sete ainda não foram feitas. Em sua defesa, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) diz que precisa pagar R$ 22 mil só pela cirurgia em uma unidade particular – para não tirar a vaga de quem está na fila pelo Sistema Único de Saúde (SUS) – e que, mesmo assim, enfrenta recusa por parte de hospitais e clínicas particulares, por causa do risco que alguns pacientes correm de morrer.

Levantamento feito pelo Estado de Minas no TJMG mostra que, desde 2011, há pelo menos 33 processos de pessoas querendo que a Justiça interceda para acelerar o processo. Os desembargadores, na tramitação da segunda instância, deferiram 21 pedidos, que incluem a condenação de municípios mineiros. Enquanto isso, aproximadamente 500 pessoas aguardam na fila da cirurgia bariátrica (278 no polo de Belo Horizonte; 150 a 200 em Juiz de Fora; e 40 em Uberlândia).

É o caso da doméstica desempregada Romilda Sebastiana Duarte, de 53 anos, que mora em São José da Varginha, Região Central de Minas, e que, há 12 anos, luta para conseguir chegar à mesa de cirurgia. Com 179 quilos, ela fez, esses anos todos, acompanhamento na Santa Casa de Misericórdia, em BH, mas, apesar de três riscos cirúrgicos em mãos, nunca conseguiu a internação.

“A médica dizia que eu tinha que emagrecer mais, ou pedia outro exame. Ficamos nisso por 12 anos, enquanto outras pessoas mais obesas passavam na minha frente. Até que fiz um vídeo pedindo ajuda, há dois anos, e postei na internet. Acabei conseguindo apoio do Núcleo Mineiro de Obesidade e o advogado entrou na Justiça”, conta ela. A decisão favorável foi publicada em 6 de fevereiro, sob pena de multa diária de R$ 800, e até agora o Estado não cumpriu a determinação e terá que arcar com mais essa despesa.

Romilda já não pode trabalhar, nem consegue fazer sua higiene diária sozinha. Perdeu a guarda dos filhos para o ex-marido, porque pedia a ajuda deles na hora do banho. Quando dá alguns passos, sofre com falta de ar, fora as doenças relacionadas à obesidade mórbida. Ela lembra que sempre foi gordinha, mas que perdeu o controle durante o casamento e que a separação piorou as coisas. Segundo Romilda, cada recusa da médica a deixava mais ansiosa. “Cheguei a pesar 190 quilos e consegui reduzir, mas ela mandava perder mais e eu já não conseguia. Por causa da ansiedade, acabava engordando e ouvi dela que não iria marcar a cirurgia para não assinar meu atestado de óbito”, reclama a paciente.

Segundo o advogado do núcleo Marcelo Eustáquio de Oliveira a situação de Romilda é grave e o Índice de Massa Corporal (IMC) dela chega a 87, quando o parâmetro da obesidade mórbida conta a partir de 40. Um médico voluntário do núcleo acabou refazendo os exames para que o jurídico pudesse acionar a Justiça. O advogado afirma que perdeu na primeira instância e que vai marcar uma reunião com a procuradoria do estado, para tentar marcar logo a cirurgia. “Isso tudo é um absurdo. Ela corre o risco de morrer, e não podemos esperar que isso ocorra para marcar a data da operação.”

A assessora técnica da SES Vânia Rabelo diz que, no caso de Romilda, faltam documentos e laudos médicos para que ela possa solicitar orçamento aos hospitais particulares. “Mandamos um telegrama para ela, mas voltou porque ela era desconhecida no endereço que constava no processo.” De acordo com Vânia, os relatórios médicos também já foram solicitados à 6ª Vara Cível de Fazenda Pública. “Não sabemos o estado clínico dela. E como é que o Estado vai procurar um hospital para fazer a cirurgia sem essas informações? Acaba sendo lesado por uma questão que não é sua.”

Sem urgência

A cirurgia bariátrica não é considerada uma urgência, mas o risco de morrer é sempre um dos argumentos de quem recorre à Justiça. Por outro lado, em dois anos, os desembargadores indeferiram pelo menos 12 pedidos, argumentando que os documentos anexados não comprovavam o risco. Conceder a liminar nessas situações acabaria “furando a fila” daqueles que realmente têm urgência.

“O Estado recorre das decisões porque é de praxe, até para não haver favorecimento de um caso em detrimento de outro. Mas, se for realmente um paciente grave, haverá a determinação judicial. Ocorre que muitos hospitais particulares recusam quando o quadro é tão grave”, explica Vânia. É preciso dispensar licitação e, ainda assim, a espera é demorada. “A Justiça, muitas vezes, estipula prazos impossíveis de serem cumpridos e nós temos que recorrer porque dependemos dos hospitais e de vagas no CTI”, diz a assessora técnica.

De acordo com a gerente de Regulação e Atenção Hospitalar da Secretaria de Saúde de Belo Horizonte, Ninon Fortes, o município procura cumprir uma série de etapas para evitar que sobre apenas a cirurgia como opção. Há ações de controle de peso e monitoramento daqueles que têm IMC acima de 35, quando se encaminha o paciente para o endocrinologista do Ambulatório Regulador de Obesidade da Santa Casa. Há ainda um prazo de dois anos em que se tenta evitar a cirurgia, com acompanhamento de uma equipe multidiscipinar.

“Só então o paciente vai para a central de internação de BH, que é cidade polo. Os números acabam mudando, mas hoje (ontem) são 121 pacientes da capital e 157 do interior. Na quinta-feira, a fila tinha 292 pessoas e o máximo a que chegamos foi em torno de 400, porque há poucos cirurgiões habilitados e também precisamos de CTI na retaguarda”, explica Ninon. Segundo ela, só então os pacientes passam pelos exames pré-operatórios, e ainda levam de seis a oito meses para marcar a cirurgia. Há chances de contraindicação, dependo do risco, e, nesse caso, eles retornam aos cuidados do ambulatório.

Este ano, na capital, 19 cirurgias já foram realizadas pelo SUS. Em 2010, foram 64 e, dois anos depois, 86. O município informou que o Hospital Universitário São José, no Bairro Santo Agostinho, está em processo de credenciamento. “Essa cirurgia vai me fazer reviver, vai ser minha chance. Estou louca para fazê-la. Não aguento mais esse sofrimento”, desabafa Romilda.


MEMÓRIA: Mulheres são mais atingidas
O Ministério da Saúde divulgou, há três dias, que a população brasileira gasta quase R$ 490 milhões anuais para cuidar de 26 doenças relacionadas ao excesso de peso. Entre as intervenções, há ainda a cirurgia bariátrica, cuja idade mínima dos pacientes candidatos à intervenção caiu dos 18 anos para os 16. No Sistema Único de Saúde (SUS), quando se trata dos obesos, as mulheres são responsáveis por 67% dos recursos gastos: R$ 327,7 milhões. A pesquisa foi baseada nas despesas de 2011 e mostra que o maior número de problemas de peso (sobrepeso, obesidade e obesidade mórbida) atinge o sexo feminino. O estudo também mostrou que a obesidade, o sobrepeso e a obesidade mórbida vêm avançando: o aumento médio anual de quilos no corpo é de 1,05%, enquanto a obesidade chega a 0,76% e a forma mais grave da doença cresce 4,3 vezes mais que a obesidade.

 

Fonte: Estado de Minas

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