Trabalho rouba infância de quase 60 mil mineiros
29 de Maio de 2013
por: Paulo Henrique Lobato, Carolina Lenoir e Luiz Ribeiro
Embora a legislação brasileira proíba o trabalho aos menores de 14 anos, quase 60 mil mineirinhos de 10 a 13 anos (4,5% da população dessa faixa etária) trabalham nos 853 municípios do estado, sendo 3.818 em Belo Horizonte (2,8%). No país, o universo é de 710.139 crianças e adolescentes (5,2% do total). Os dados foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base no censo 2010, para ajudar as prefeituras a elaborar políticas públicas de combate ao trabalho infantojuvenil – os números de cada cidade contemplam ainda a raça e o nível de alfabetização. Mas a realidade pode ser muito maior do que a divulgada ontem.
“Como a pesquisa é autodeclarativa, há um sub-registro”, avalia Isa Oliveira, secretária executiva do Fórum de Enfrentamento do Trabalho Infantil no Brasil. Ela explica que muitos entrevistados confundem trabalho infantil com ajuda familiar. E cita como exemplo clássico o dos pais que delegam à filha ou ao filho mais velho o cuidado dos irmãos menores enquanto os adultos ganham a vida fora de casa. Para muitos pais, trata-se de uma ajuda familiar da criança ou do adolescente. Para os especialistas, é trabalho infantojuvenil.
“É recorrente, na sociedade em geral, o reconhecimento desse trabalho como uma ajuda e não um trabalho. Quando falamos em trabalho, falamos em responsabilidade transferida à criança ou ao adolescente.” Muitas vezes, a principal consequência dessa responsabilidade é a evasão escolar. Segundo o IBGE, 30.787 jovens mineiros entre 10 e 13 anos, o que representa 2,3% do total dessa faixa etária, não frequentavam a escola na semana do censo. Dessas, 3.410 estavam em Belo Horizonte. No país, eram 403,4 mil. Em 2011, aos 13 anos de idade, a jovem Tayuana Menezes Silva faltou diversas vezes da escola porque, no horário da aula, “estava olhando os quatro irmãos mais novos”.
Alívio no circo
Até o fim de 2012, ela chegava a faltar às aulas a semana inteira. Cabia à garota dar banho nas crianças, cozinhar as refeições e fazer toda a faxina da casa. Não sobrava tempo para as tarefas escolares. Sua vida deu uma reviravolta, há poucos meses, graças à ONG Circo de Todo Mundo, voltada para a defesa dos direitos da criança e do adolescente. Os educadores da entidade conversaram com a família da menina e mostraram aos pais dela a importância de Tayuana não faltar às aulas. “Tudo está diferente. Minha avó cuida dos meus irmãos. Sinto um alívio, porque não podia fazer nada e também ficava cansada”, conta a garota.
Agora, além de sobrar tempo para os livros, ela se dedica à arte circense, com acrobacias em tecido e lira. Maria Eneide Teixeira, coordenadora da ONG, avalia que boa parte do trabalho infantil se enraizou na cultura brasileira. “É um ciclo perverso, no qual os pais desses meninos trabalharam quando crianças. Da mesma forma, os avós. Não há outro caminho a não ser uma proposta educacional que envolva a escola e a família”, afirma. O técnico do IBGE Antônio Braz, que ajudou a copilar os dados do censo para elaborar as tabelas em Minas, tem pensamento semelhante: “Uma das ideias de a criança e o adolescente frequentarem a escola é que a probabilidade de eles trabalharem é menor”.
“Como a pesquisa é autodeclarativa, há um sub-registro”, avalia Isa Oliveira, secretária executiva do Fórum de Enfrentamento do Trabalho Infantil no Brasil. Ela explica que muitos entrevistados confundem trabalho infantil com ajuda familiar. E cita como exemplo clássico o dos pais que delegam à filha ou ao filho mais velho o cuidado dos irmãos menores enquanto os adultos ganham a vida fora de casa. Para muitos pais, trata-se de uma ajuda familiar da criança ou do adolescente. Para os especialistas, é trabalho infantojuvenil.
Alívio no circo
Até o fim de 2012, ela chegava a faltar às aulas a semana inteira. Cabia à garota dar banho nas crianças, cozinhar as refeições e fazer toda a faxina da casa. Não sobrava tempo para as tarefas escolares. Sua vida deu uma reviravolta, há poucos meses, graças à ONG Circo de Todo Mundo, voltada para a defesa dos direitos da criança e do adolescente. Os educadores da entidade conversaram com a família da menina e mostraram aos pais dela a importância de Tayuana não faltar às aulas. “Tudo está diferente. Minha avó cuida dos meus irmãos. Sinto um alívio, porque não podia fazer nada e também ficava cansada”, conta a garota.
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Como aprendiz de capoteiro em uma oficina, o menino de 14 anos estuda pela manhã e trabalha à tarde |
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Com apenas 17 anos, jovem começou a trabalhar no mercadinho da família com 15 anos sem deixar estudos |
Nas fazendas
Os dados do IBGE revelaram que a maior parte do trabalho de jovens de 10 a 13 anos no estado está concentrado na agricultura. Dos quase 60 mil garotos e garotas que trabalham em Minas, 25.342 o fazem no campo. Outros 8.716 ganham a vida no comércio. No Brasil, há 346.363 no campo e, no comércio, outros 93.534. Para Célia Nahas, coordenadora da equipe técnica do Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento da Violência Sexual contra Criança e Adolescente, “todos os números que violam (os direitos) de crianças e adolescentes são grandes”.
Entre a aula e o serviço
O estudo do IBGE não concentrou os dados na faixa etária de 10 a 13 anos: o levantamento levou em conta o universo de jovens de 10 a 17 anos. Nesse caso, quase 350 mil mineiros trabalham no estado, o que representa 12,8% da população dessa faixa etária. Muitos jovens dividem o tempo da labuta com os livros escolares, mostrando que, embora a desigualdade social tenha diminuído no país nos últimos anos, nem todos têm o privilégio de frequentar as salas de aula sem ajudar no sustento da família.
O trabalho é uma realidade na vida de P.X. (iniciais de nome fictício), de 14 anos. Há dois meses, o garoto conseguiu uma vaga de aprendiz de capoteiro numa oficina numa cidade no Norte do estado. A remuneração não é alta, mas é o suficiente para ele custear os estudos – o jovem assiste às aulas pela manhã e, à tarde, aprende o ofício. “E sobra ainda uma parte para ajudar nas despesas de casa”, diz o rapaz, aluno da 8ª série. Outro garoto que divide o tempo entre escola e trabalho é Q.J. (iniciais fictícias), de 13.
O menino, que está matriculado no 6º ano do ensino fundamental, estuda no período da manhã e, à tarde, vende picolés e sorvetes perto do leito do Rio São Francisco, o Velho Chico. O melhor, diz ele, é que há tempo para molhar o corpo quando o sol está escaldante: ”Dá para uma ducha”. O garoto conta que trabalha por necessidade financeira.
“A gente precisa ganhar um dinheirinho”, revela o adolescente, que disse faturar de R$ 100 a R$ 150 por semana. Tudo que ganha vai direto para sua mãe, responsável pelas despesas do lar. Na mesma região do estado, Z.Z. (iníciais fictícias), de 16 e que está matriculado no segundo grau, consegue cerca de R$ 400 mensais como auxiliar de mecânico numa oficina. Ele revela que começou a aprender o ofício aos 12 anos. “O dinheiro é para minhas despesas mesmo. Já estou ‘liberado’, pelos meus pais, de ajudar em casa. Mas continuo ajudando nas despesas do lar.”
Quem também começou a pegar cedo no batente é P.N. (iniciais fictícias), que começou a trabalhar, aos 15 anos, no mercadinho da família. Lá se vão dois anos. Matriculado no terceiro ano do ensino médio, o garoto conta que sente orgulho em conseguir o “próprio dinheiro”. (LR)
Os dados do IBGE revelaram que a maior parte do trabalho de jovens de 10 a 13 anos no estado está concentrado na agricultura. Dos quase 60 mil garotos e garotas que trabalham em Minas, 25.342 o fazem no campo. Outros 8.716 ganham a vida no comércio. No Brasil, há 346.363 no campo e, no comércio, outros 93.534. Para Célia Nahas, coordenadora da equipe técnica do Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento da Violência Sexual contra Criança e Adolescente, “todos os números que violam (os direitos) de crianças e adolescentes são grandes”.
Entre a aula e o serviço
O estudo do IBGE não concentrou os dados na faixa etária de 10 a 13 anos: o levantamento levou em conta o universo de jovens de 10 a 17 anos. Nesse caso, quase 350 mil mineiros trabalham no estado, o que representa 12,8% da população dessa faixa etária. Muitos jovens dividem o tempo da labuta com os livros escolares, mostrando que, embora a desigualdade social tenha diminuído no país nos últimos anos, nem todos têm o privilégio de frequentar as salas de aula sem ajudar no sustento da família.
O trabalho é uma realidade na vida de P.X. (iniciais de nome fictício), de 14 anos. Há dois meses, o garoto conseguiu uma vaga de aprendiz de capoteiro numa oficina numa cidade no Norte do estado. A remuneração não é alta, mas é o suficiente para ele custear os estudos – o jovem assiste às aulas pela manhã e, à tarde, aprende o ofício. “E sobra ainda uma parte para ajudar nas despesas de casa”, diz o rapaz, aluno da 8ª série. Outro garoto que divide o tempo entre escola e trabalho é Q.J. (iniciais fictícias), de 13.
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Matriculado no 6º ano, garoto de 13 anos estuda e vende picolés no interior de Minas para ajudar a família |
“A gente precisa ganhar um dinheirinho”, revela o adolescente, que disse faturar de R$ 100 a R$ 150 por semana. Tudo que ganha vai direto para sua mãe, responsável pelas despesas do lar. Na mesma região do estado, Z.Z. (iníciais fictícias), de 16 e que está matriculado no segundo grau, consegue cerca de R$ 400 mensais como auxiliar de mecânico numa oficina. Ele revela que começou a aprender o ofício aos 12 anos. “O dinheiro é para minhas despesas mesmo. Já estou ‘liberado’, pelos meus pais, de ajudar em casa. Mas continuo ajudando nas despesas do lar.”
Quem também começou a pegar cedo no batente é P.N. (iniciais fictícias), que começou a trabalhar, aos 15 anos, no mercadinho da família. Lá se vão dois anos. Matriculado no terceiro ano do ensino médio, o garoto conta que sente orgulho em conseguir o “próprio dinheiro”. (LR)
Fonte: Estado de Minas