Faltam serviços para a classe C
24 de Junho de 2013
por: Marinella Castro e Marta Vieira
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Renata Mesquita sentiu no bolso a alta nos preços do sacolão, das contas de condomínio e de TV por assinatura |
Compartilha da visão o professor Waldir Quadros, do Instituto de Economia da Unicamp, convencido de que as manifestações que tomaram conta do país nos últimos dias cresceram também devido a uma grande pauta aberta. “A renda e o consumo melhoraram muito para a massa trabalhadora (a chamada classe C), mas os serviços que ela usa são precários. Saúde pública, escola, educação não evoluíram no mesmo ritmo”, diz. Para Quadros, o crescimento baseado na expansão do consumo está exaurido; resta agora elevar os investimentos na economia, retomando temas importantes, como o pré-sal e aportes no sistema ferroviário.
De imediato, o especialista acredita que a classe média se sustenta, garantindo as conquistas. O ministro-chefe interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Marcelo Neri, argumenta que a renda média mantém crescimento, embora menor, o que não significa que o país não deva ouvir os manifestantes nas ruas. Dados referentes ao ano passado, marcado por inflação mais alta e baixo crescimento, indicam que a renda domiciliar per capita evolui 5,1%, ante 0,1% de expansão do PIB per capita (o PIB, Produto Interno Bruto, que retrata a produção de bens e serviços, dividido pela população). Quando incorporados aos cálculos a renda dos aposentados, os rendimentos crescem a 6%.
“Pode ser, sim, que as pessoas que subiram à classe média estejam querendo mais. De outro lado, elas estão se adaptando e não podemos deixar de considerar que nós, brasileiros, somos muito críticos em relação ao país”, diz Neri. Para o ministro, os protestos talvez estejam espelhando uma situação em que “certos grupos estão mais felizes que outros”. Robson Gonçalves observa que o resultado de uma infraestrutura de serviços que não conseguiu acompanhar o crescimento da demanda da nova classe média tende a ser o encolhimento dessa classe na pirâmide social.
Pressão
Renata Mesquita, dona de casa, tem rendimentos compatíveis com a classe média brasileira. Ela diz que sentiu a alta de preços também em serviços como o condomínio e TV paga, e bem forte no sacolão e supermercado. Por mês, a família desembolsa R$ 900 com escola particular. “Se a educação fosse gratuita e de qualidade, aliviaria muito o orçamento da classe média.”
Maria Teresa Fernandes, advogada aposentada, está se segurando para equilibrar as finanças domésticas. Ela calcula que seu orçamento com alimentação cresceu 25% nos últimos seis meses. Para fazer frente à alta dos preços ela mudou hábitos de consumo. Passou a frequentar supermercados que oferecem preços mais baixos e ofertas, onde agora compra os produtos básicos. “Fazendo isso a diferença na lista é de pelo menos R$ 100”, afirma. Maria Teresa trocou também de marcas de alguns produtos de limpeza, leite e café. Segundo ela, a pressão do custo de vida é maior nos alimentos que nos serviços. Ela, que tem um de seus netos estudando na rede pública de ensino, gostaria que a qualidade da educação pública fosse melhor.
O problema da concentração
Sílvio Ribas
Brasília – A disparada geral dos preços no Brasil tem muitos fatores, desde a infraestrutura insuficiente até a variação do câmbio. Mas uma das mais importantes ainda é pouco visível ao público: a concentração de setores econômicos em poucos grupos empresariais, que lideram as vendas e definem as margens de lucro. A política do governo — desde a gestão Lula — dedicada a criar “campeões nacionais”, mediante o apoio à compra de concorrentes ou à fusão com eles, agravou esse quadro.
A fatia de mercado reservada aos principais atores em áreas estratégicas ficou maior e a competição menor. Com isso, os preços têm subido nas prateleiras acima da inflação. Em alguns casos, como da cerveja e do leite longa vida, os reajustes acumulados nos últimos 12 meses até maio foram o dobro dos 6,5% registrados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no período.
A compra, este mês, da Seara, do Grupo Marfrig, pelo frigorífico JBS foi mais um capítulo na onda aglutinadora inaugurada nos anos 1990, com o surgimento da Ambev. Nessa mesma história incluem-se o surgimento da multinacional de bebidas Inbev, após um improvável casamento de Antarctica e Brahma; da BRF, da união de Sadia e Perdigão; e ainda a compra das companhias áreas Varig e Webjet pela Gol. Seus ganhos de escala e de rentabilidade não chegam, contudo, ao cliente nacional.
O presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), Geraldo Tardin, cita a aviação civil, a indústria alimentícia, o varejo e a telefonia como os principais ramos em que a retração da concorrência pesou no bolso.
“As fusões e as aquisições apoiadas pelo governo deixaram a indústria mais concentrada e o cenário macroeconômico mais complexo”, comenta Sérgio Giovanetti Lazzarini, professor do Instituto Insper. Na sua opinião, a eleição de um “campeão nacional” só se justifica em situações muito específicas, referentes a ramos sofisticados e muito internacionalizados. “Esse é o caso da Embraer, atrelada a uma instituição de pesquisa e à formação de mão de obra”, cita. (Colaborou Bárbara Nascimento)