Dívida aumenta, bom pagador acompanha
A telefonista Cristiane Aparecida Alves Rocha, de 26 anos, foi às compras, ontem, no Centro de Belo Horizonte. Levou para casa um tanquinho, um liquidificador e uma sanduicheira. “Paguei R$ 369 à vista. Se fosse a prazo, a conta total seria de R$ 400. A diferença (R$ 31) parece pouca, mas no meu caso não é. Recebo um salário mínimo (R$ 622)”, disse a jovem, que é minoria numa pesquisa divulgada pela Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio-SP) pouco antes de Cristiane ir para casa com as mercadorias. Segundo a entidade, a chamada taxa de endividamento dos brasileiros subiu de 58,58%, em 2010, para 62,5% em 2011. Em BH, o índice superou a média nacional, fechando o ano passado em 69,45%.
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Mineiros continuam indo às compras, mas o comprometimento médio do orçamento, de 28,63% em 2011, ainda é considerado saudável |
Esse percentual, quando comparado com o do exercício anterior (60,15%), revela um aumento de 15,4%. Tal índice também é maior do que o do crescimento da média nacional no período, que ficou em 6,39%. Os resultados levaram a capital mineira a ser a campeã da taxa de endividamento entre as capitais da Região Sudeste – São Paulo (46,53%), Rio de Janeiro (63,19%) e Vitória (60,4%). O topo da lista nacional, porém, coube a Curitiba (90,3%). Nessa comparação, BH é a 13ª da fila. É bom frisar que a taxa de endividamento não significa, necessariamente, inadimplência. Mas a Fecomercio-SP também mediu o índice de dívidas em atraso e, neste caso, BH obteve nota 19,1%, abaixo da média nacional 22,9%.
“O nível de endividamento dos mineiros é um dos mais saudáveis do país, pois, apesar do total de famílias endividadas ter aumentado 16,54%, o total de famílias inadimplentes recuou 22,03% (de 24,73% para 19,1%). Ou seja, há mais famílias endividadas, mas elas estão honrando seus compromissos e pagando as dívidas em dia”, avaliou Fabio Pina, assessor-técnico da Fecomércio-SP. O especialista esclarece que os mineiros têm mais capacidade de se endividar do que boa parte dos brasileiros, já que a renda média das famílias em Minas é de R$ 6.892,60 – 31,75% maior que a média nacional, de R$ 5.053,68.
Em 2010, o percentual nacional de famílias com dívida em atraso era de 24,92%. O dado mais relevante dentro desse indicador, porém, é a quantidade de pessoas sem condições de quitar a dívida: 8% em 2011 contra 8,9% em 2010. O levantamento da entidade concluiu que, levando-se em conta os débitos em atraso e as dívidas que ainda não haviam vencido, o endividamento das famílias das capitais saltou de R$ 145,1 bilhões, em 2010, para R$ 161,9 bilhões em 2011, o que dá uma média mensal de R$ 13,5 bilhões. O aumento entre os dois anos foi de 11,57%. Por outro lado, como o rendimento das famílias subiu 11,7% no período, de R$ 491,5 bilhões para R$ 549,2 bilhões, o consumidor, em geral, conseguiu aumentar a dívida sem ampliar a parcela da renda comprometida com esse compromisso.
Foi o que ocorreu com a operadora de rádio Jaqueline Bitencourt, de 36. Assim como Cristiane, a telefonista que foi às compras ontem, Jaqueline recebe um salário mínimo por mês. Porém, nas folgas ela faz um bico num salão de beleza. “No último fim de semana, por exemplo, fiz R$ 150.” Jaqueline aproveitou esse extra para financiar uma motocicleta. “Dei uma entrada pequena e vou pagar 36 parcelas de R$ 200 cada. Quitei apenas a primeira. Sei que no fim das contas terei desembolsado o dobro de quem comprou o veículo à vista. O que me ajuda é o bico no salão”, justifica.
Tudo no cartão A pesquisa não revelou quais produtos ou serviços levam os brasileiros ao endividamento. Uma análise é certa: o aumento do poder aquisitivo das famílias levou muita gente a ter o cartão de crédito, que é uma espécie de fácil passaporte para a pessoa com ímpeto de consumo se tornar um potencial inadimplente. O economista Ricardo Pereira, consumidor do programa Consumidor Consciente, da MasterCard, alerta para que os consumidores ávidos por compras “evitem entrar no cheque especial e pagar o mínimo do cartão, pois essas dívidas contam com juros altos”.
Ainda assim, caso o consumidor tenha deixado a dívida virar uma bola de neve, o especialista faz algumas recomendações: “Faça o levantamento das dívidas, anotando tudo: valores, parcelas, prazos de pagamento, nomes em possíveis negociações. Após o levantamento, busque um contato direto com os credores e renegocie as dívidas. Quite as contas com juros maiores, como cartão de crédito, e de serviços essenciais, como água, luz, aluguel, condomínio. Consuma com planejamento e consciência, respeite seu dinheiro e valorize suas conquistas”.
Enquanto isso... risco ainda é baixo
Por trás do estudo da Fecomercio-SP, uma constatação: o risco de uma crise de crédito bancário no Brasil é muito baixo. Isso porque o nível de comprometimento médio da renda mensal das famílias brasileiras com dívida ficou em 29,49% no ano passado, mantendo-se praticamente estável em relação a 2010 (29,53%). O índice é considerado “saudável”. Em Belo Horizonte, esse indicador ficou em 28,63%. O percentual foi inferior ao apurado em 2010, quando havia alcançado 30,73%. Na mesma toada, a dívida média dos belo-horizontinos reduziu, no mesmo período, de R$ 1.988 para R$ 1.974. Mas a média mensal da dívida das famílias da capital mineira subiu, de R$ 908 milhões para R$ 1,05 bilhão, entre 2010 e 2011. A cifra apurada no ano passado é a terceira mais alta do país. Fica atrás de São Paulo (R$2,67 bilhões) e do Rio de Janeiro (R$ 2,36 bilhões).
Fonte: Estado de Minas