Famílias brasileiras estão mais endividadas, aponta Ipea
As famílias brasileiras ficaram mais endividadas no mês passado. Levantamento divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que em junho 47% dos entrevistados afirmaram estar devendo, ante 46,5% em maio. A dívida média das famílias em junho era de R$ 4.943,88, abaixo dos R$ 5.528,17 do mês anterior, mas para 14% delas esse valor corresponde a mais de cinco vezes a sua renda mensal. No caso de outros 21%, o débito estava entre duas e cinco vezes maior que o rendimento. Esse endividamento, no entanto, parece não abalar o humor dos brasileiros, que continuam otimistas com a economia.
![]() |
|
Robson Silva está otimista com a economia do país. Por isso, decidiu financiar R$ 30 mil do carro novo |
Robson Silva é servidor público e na tarde de ontem foi a uma concessionária de automóveis na Zona Sul de Belo Horizonte para fechar a compra de um Fox 1.0, zero quilômetro, completo, por R$ 35 mil. A entrada foi de R$ 5 mil. Os outros R$ 30 mil foram financiados em prestações de mensais de R$ 500. A dívida compromete o orçamento do assalariado, uma vez que é o montante total é cerca de 10 vezes maior do que o seu rendimento mensal. Mas não o intimidou a ponto de fazer Robson Silva desistir do negócio. Ele está otimista com a economia do país. “A redução do IPI (Imposto sobre Produto Industrializado) ajudou muito, embora já não valha a pena fazer financiamentos longos, de 48 meses, por exemplo.”
Segundo o Índice de Expectativa das Famílias (IEF), calculado mensalmente pelo Ipea por meio de pesquisa em 3.810 domicílios de 214 municípios espalhados por todo o país, mostra que, em junho, o otimismo nacional com a situação socioeconômica do Brasil subiu 1,5 ponto na comparação com maio e chegou a 68,5 pontos. O resultado é o segundo maior dos últimos 12 meses, perdendo apenas, em 0,5 ponto, para janeiro, quando o índice marcou 69 pontos. O resultado do mês passado é 4,4 pontos superior aos 64,1 registrados ao mesmo mês de 2011.
Um endividamento do porte do assumido por Robson Silva, ainda que no caso dele haja capacidade de pagamento mensal, já teria levado uma empresa à falência. É o que garante o empresário Petrônio Zica, presidente do grupo Delp. De acordo com ele, no mundo das pessoas jurídicas, o normal é que a dívidas fiquem entre 20% e 40% do faturamento. Para José Cézar Castanhar, professor de finanças da escola de administração da Fundação Getulio Vargas (FGV), o cenário atual, de alta inadimplência, é resultado da melhoria das condições de crédito no país e também das altas taxas de juros aplicadas em território nacional. “Os juros podem dobrar o valor de um bem e, por outro lado, quem nunca comeu melado quando come se lambuza.”
De acordo com a Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio SP), o endividamento dos brasileiros subiu quase quatro pontos percentuais entre 2010 e 2011, situação que está ajudando a embalar os escritórios especializados em finanças pessoais no país. Em Belo Horizonte, profissionais da área comemoram crescimento de até cinco vezes no número de clientes nos últimos cinco anos.
Os que ganham O exagero na corrida pelo crédito já foi responsável por elevar a demanda da Infovida, empresa de orientação de finanças pessoais, em 500% nos últimos cinco anos. “Parece um exagero, mas é verdade. Trabalhamos com endividados, mas também com pessoas que têm dinheiro, mas não se sentem confortáveis em aplicá-lo sem uma consultoria para dar apoio”, diz Maria Inês Prazeres, dona da empresa. De acordo com ela, de 2009 para cá, os problemas de endividamento entre os clientes triplicaram. “Não se trata apenas de quem não tem recursos. Tenho clientes com rendimento de R$ 20 mil que chegaram aqui completamente endividados.” Segundo ela, porém, a procura pela orientação sobre como aplicar o dinheiro também subiu.
Erasmo Vieira, consultor financeiro e proprietário da Planilhar Planejamento Financeiro, revela que, de julho de 2011 para cá, a demanda de pessoas físicas em situação de alto endividamento na empresa cresceu 30%. E a procura por palestras sobre educação financeira da parte das empresas dobrou. “Está ficando muito claro tanto para as pessoas físicas quanto para as empresas que os problemas causados pelo descontrole financeiro são muito prejudiciais. Nossa demanda cresceu por causa disso.”
Juros do cartão não ajudam
Dono de um restaurante na Savassi, Reginaldo Proti tem oito cartões de crédito, usados para comprar mercadorias a prazo: “Ganho tempo para pagá-las. Quito-as com o valor pago, geralmente à vista, por meus clientes. Esse é um dos segredos. O outro é não atrasar o pagamento da moeda de plástico, pois os juros são elevadíssimos”. O alerta do comerciante precisa ser seguido à risca: pesquisa divulgada ontem pela Proteste, uma entidade civil sem fins lucrativos e cuja missão principal é a defesa do consumidor, revelou que o brasileiro que recorre ao financiamento por meio do cartão de crédito, o chamado rotativo, paga uma taxa média de juro anual de 323,14%. O percentual é maior do que a soma desse mesmo indicador em outros seis países da América Latina.
O estudo mostrou que a soma da taxa média na Argentina, Chile, Colômbia, Peru, Venezuela e México é de 255,27% (veja quadro). A pesquisa, que analisou apenas os dados do Brasil e desses seis países, permite vários questionamentos. Um deles: por que o Brasil tem uma taxa de juro básica (Selic) menor do que a da Argentina (8% e 11,5%, respectivamente) e, por outro lado, é dono de uma taxa de cartão de crédito bem maior do que a do país vizinho (323,14% e 50%, respectivamente).
“Do ponto de vista econômico, não há explicação. A partir do momento em que a taxa básica de juro (Selic) cai, o juro ao consumidor também deveria acompanhar essa queda. Quando pagamos o rotativo, estamos refinanciando (a dívida) a um custo muito elevado. É como se estivéssemos refinanciando o financiamento”, diz Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste. Outro debate importante por trás do estudo: o juro do cartão de crédito no Brasil subiu 50% nos últimos cinco anos, de 214,52%, em 2007, para os atuais 323,14%. No mesmo período, a Selic despencou de 11,25% para 8%.
Por outro lado, as vendas com cartões de crédito representam parcela significativa para o varejo do país. No caso do restaurante de Reginaldo Proti, o pagamento com o dinheiro de plástico (débito e crédito) responde por cerca de 60% das vendas. “Há oito anos, quando abri o estabelecimento, 60% dos clientes pagavam a refeição em dinheiro. As coisas mudaram. Hoje, esse percentual se deve ao crédito e ao débito”, compara o empresário.
Fonte: Estado de Minas