Consumo mais aquecido infla juizados especiais
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Antônio dos Santos procurou o juizado para questionar uma cobrança indevida de cartão de crédita. Sua audiência será só em 27 de setembro |
A maior parte dos processos é referente a problemas de relações de consumo, como telecomunicações, bancos e instituições financeiras, planos de saúde e outros. A facilidade de acesso a produtos como telefone celular, associada à inoperância das agências reguladoras, fez com os problemas também tivessem aumento, e, muitas vezes, numa velocidade mais rápida. Tanto é assim que em Belo Horizonte há uma unidade especializada para julgar ações de consumo. “Houve uma explosão de demanda. Se for à defensoria não tem gente; se procurar um advogado paga mais que o valor da causa. Já nos juizados especiais o consumidor tem facilidades”, afirma o coordenador dos juizados especiais de Belo Horizonte, Vicente de Oliveira Silva, que critica o fato de, segundo ele, no Brasil, haver uma tendência a litigar maior, enquanto no exterior os cidadãos tentam resolver antes de recorrer à Justiça. “Mas tem que se ver que aqui o serviço de atendimento ao consumidor (SAC) não funciona; não consegue falar; o atendimento não é bom”, reitera.
O magistrado afirma que o fato de ser viável realizar audiências de conciliação simultâneas (um juiz orienta cerca de sete estagiários e voluntários em ações que duram em média meia hora) possibilita que sejam programadas 350 audiências por dia só no Juizado de Relações de Consumo. Ainda assim, com a demanda criada pelo maior acesso a bens de consumo, a estruturação do Judiciário não acompanha. No ano passado, o Tribunal de Justiça designou novos juizes e servidores para os juizados de Belo Horizonte, o que possibilitou que o total de processos distribuídos na capital fosse menor que os baixados, reduzindo assim o volume acumulado. Mas essa medida deveria ser repetida ano a ano, acompanhando o aumento das queixas, o que não é feito, tornando o processo mais lento. Se antes dava para concluir uma ação em semanas, a tramitação já passou para meses e, apesar de “ainda ser rápido se considerar a Justiça comum”, como diz o coordenador dos juizados especiais, pouco a pouco os tempos se aproximam.
Morosidade
O aposentado Antônio dos Santos decidiu acionar o juizado especial depois que verificou que há quatro anos o banco fazia a cobrança indevida das tarifas de um cartão de crédito que ele nem mesmo recebeu. A cada mês eram descontados R$ 45 e ele só foi perceber quando foi pedir um empréstimo e não conseguiu. A audiência de conciliação foi marcada para 27 de setembro, ou seja, quase dois meses depois do pedido. Mas há casos de audiências marcadas para até quatro meses depois. “Era para ser mais ágil”, reclama. E esse é só o primeiro passo. Caso as partes não cheguem a um acordo, é possível recorrer da decisão do juiz, o que faz com que a ação demore quase dois anos para um desfecho.
A auxiliar de ensino pedagógico Flávia Alessandra Dias também teve problema com um banco. Na fatura do cartão de crédito, a instituição financeira dobrou o valor de uma taxa por cinco meses. Ela tentou negociar, mas sem um acordo o cartão foi bloqueado e ela procurou a Justiça. Na audiência de conciliação, a instituição financeira aceitou pagar 80% do valor que ela pedia por danos morais. “Pelo menos aqui resolveu”, afirma ela, que esperava mais rapidez.
Na avaliação do promotor de Justiça de Araguari (Triângulo Mineiro) e mestre em direito social André Luiz Alves de Melo, a gratuidade nas ações faz com que os juizados especiais fiquem inflados. Ele acusa muitas empresas de se aproveitarem disso para usar os tribunais, reduzindo seus custos. Segundo ele, aproximadamente 80% das ações desses tribunais são referentes a pessoas jurídicas (individual, microempresa e de pequeno porte), o que torna a ação morosa e acaba por desvirtuar a legislação, criada para garantir o acesso da população à Justiça. “Todas essas lojinhas de interior fazem suas cobranças por meio do juizado, podendo assim dispensar o setor de cobrança”, afirma André Luiz, que no ano passado entrou com uma representação para dar maior agilidade às audiências de instrução de Uberlândia, no Triângulo Mineiro. À época, as marcações demoravam até dois anos.
O que diz o Código
Art.5º – Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com os seguintes instrumentos, entre outros:
1 - manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente;
2 - instituição de promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor; no âmbito do Ministério Público
3 - criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo;
4 - criação de juizados especiuais de pequenas causas e varas especializadas para solução de litígios de consumo;
5 - concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das associações de defesa do consumidor.
Fonte: Estado de Minas