Irregularidade em cadastro adia o sonho da casa própria
Pintura, acabamento e até interfones instalados. Desde o ano passado, 64 apartamentos no bairro Tereza Cristina, em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana de Belo Horizonte, estão prontinhos para receber os moradores de baixa renda contemplados pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Mas irregularidades na seleção feita pela prefeitura adiaram o sonho dessas famílias.
Como o programa foi criado para facilitar o acesso dos mais pobres à casa própria, a regra para participar com o máximo de benefícios é ter uma renda familiar de até três salários mínimos, R$ 1.600 na época. Mas o Ministério Público Estadual (MPE) de Igarapé detectou que pelo menos seis dos 64 selecionados tinham renda superior ao permitido, o que colocou todo o processo sob suspeita.
"Chegamos a mandar uma recomendação para a prefeitura não entregar as casas, mesmo ela já tendo feito o sorteio. Mas o prefeito da época disse que estava tudo certo e manteve. Sabendo que, entre os 1.200 inscritos, muitos poderiam estar sendo lesados, entramos com um pedido de liminar em outubro do ano passado e a Justiça mandou suspender a entrega", explica o promotor Hugo Barros de Moura de Lima.
Durante a investigação, o MPE descobriu que houve uma revisão na declaração da renda. "Quando começamos a investigar, pedimos esclarecimentos à prefeitura, que nos mandou uma nova lista de declaração de renda dos inscritos. Só que, na maioria dos casos, a renda estava revista para mais, o que levantou mais suspeitas", explica Barros.
Em 2009, quando as inscrições foram feitas, uma das contempladas, J. M. L, que pediu para não ser identificada, declarou que a renda era de R$ 596. Depois informou que ganhava R$ 1.100 e o marido, R$ 1.700. Em seu depoimento ao MPE, ela diz que a prefeitura pediu apenas para que ela informasse a própria renda. "Mas exigir a renda familiar é um critério federal, que deveria ter sido conferido pela prefeitura, antes de ela ser escolhida", afirma.
Critério. Além dos critérios federais como ganhar até três salários, morar em área de risco e ter mulher como chefe de família, o município tem direito a acrescentar três critérios próprios. "A prefeitura de São Joaquim de Bicas definiu como critério para desempatar a seleção dos escolhidos o tempo de moradia na cidade, mas isso não foi checado pela prefeitura", critica o promotor.
"Não temos provas, mas o que parece é que apadrinhados políticos foram orientados a declararem a renda menor, na primeira lista, e informarem um tempo maior de moradia, o que fez com que quem fez a inscrição de boa-fé fosse prejudicado", avalia Barros.
A prefeitura já comunicou ao MPE que vai refazer a seleção, aproveitando os 1.200 inscritos. "Se, por um lado, pessoas estão sendo prejudicadas com a paralisação da entrega, por outro, os de boa-fé dentro dos 1.200 inscritos, que realmente preenchem os critérios, vão ganhar uma nova chance", diz o promotor.
Segundo apuração do Ministério Público Estadual em Igarapé, vários inscritos declararam, em 2011, renda maior que a fornecida na inscrição, em 2009.
Logo após assumir a prefeitura, em outubro de 2011, por motivo de morte do então prefeito Toninho Resende, o vice-prefeito, João Bosco, reuniu-se com o promotor de Justiça, Hugo Barros, e decidiu rever os cadastros das famílias. No dia 18 de junho deste ano, esclarecimentos foram prestados à população em uma audiência pública. (QA)