Violência contra idosos cresce 204% em apenas um ano
Média de ligações é de 3,7 por dia; para autoridades, ainda há subnotificação
Depois de dois meses sofrendo com tortura psicológica e física da própria filha, a aposentada Márcia Gomes*, 66, de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, decidiu dar um basta nos maus-tratos. Ela faz parte do grupo de 669 moradores de Minas com mais de 60 anos que denunciaram atos de violência por meio do Disque-Denúncia nos seis primeiros meses deste ano. O número é 204% maior que o registrado no mesmo período de 2011, quando foram 202, e representa uma média de 3,7 denúncias por dia.
O levantamento é da Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH) e traz Minas no quarto lugar do ranking nacional de denúncias - atrás apenas do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia (ver quadro abaixo). Os dados acendem um alerta sobre o problema às vésperas do Dia Internacional do Idoso, na próxima segunda-feira.
Subnotificado. Mesmo com o aumento significativo, a presidente do Conselho Municipal do Idoso, Sandra Conceição Mallet, acredita que ainda há subnotificação. "Com a divulgação maior do Disque-Denúncia, nós já esperávamos haver um aumento no número de denúncias. Mas o percentual é muito alto e muitas denúncias ainda não são feitas porque os idosos têm medo ou por causa de pressão da própria família, que, em 90% dos casos, é responsável pelos maus-tratos", explicou.
É o caso da aposentada Márcia Gomes*. Ela conta que demorou a denunciar a filha, de 30 anos, que a agredia com vassouradas na cabeça, por não querer que ela fosse presa. "Mas eu precisei denunciá-la. Era a única maneira de ela parar, se ficasse com medo de ser punida. Eu tentei evitar, mas ela me batia com vassoura, eu ficava tonta e cheia de hematomas", contou a aposentada.
Foi esse também o caso do sapateiro Márcio de Souza*, 67, que preferiu não denunciar o neto, de 14 anos. "Eu não tenho condições de agir contra o meu neto. Além disso, tenho medo de que aconteça alguma coisa com ele. Fui maltratado outras vezes, mas hoje a situação está melhor", disse.
Para o delegado da Delegacia Especializada de Proteção ao Idoso e ao Deficiente Físico, Geraldo Toledo, a legislação permite que a situação se mantenha. "A pena mais alta é facilmente substituída por serviços comunitários, como pagamento de cestas básicas, todos cumpridos em regime de liberdade". Segundo o Estatuto do Idoso, a pena para maus-tratos é de dois meses a um ano e meio de prisão. Em casos de lesão corporal, de um a quatro anos, e se houver morte, de quatro a 12 anos.
* Nomes fictícios
"Quando eles vivem apenas com o marido ou a mulher, é como se um incentivasse o outro", explicou Roberta Stancioli Marinho Costa, responsável pela pesquisa embasada em dados da Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílios (PNAD), de 2008, que consultou 39.346 idosos.
É o caso do aposentado Paulo Afonso, 65, e da dona de casa Nadir Patta, 62. Com os filhos criados, eles moram sozinhos e cuidam da saúde um do outro. "Fico de olho nos exames dela, que vai até na nutricionista. Fazemos ginástica e não deixamos uma consulta de rotina falhar. Agora, estamos na praia, descansando", disse o aposentado.
O problema da convivência com os mais jovens, segundo o presidente da Associação Mineira dos Cuidadores de Idosos, Jorge Roberto Afonso de Souza Silva, é que falta paciência. "O que a gente vê são famílias que recorrem à cuidadores por não terem disposição de cuidar".
A cuidadora de idosos Maria das Graças Pinheiro, 48, que, há um ano e meio acompanha a aposentada Eleni Cornélio Moreira, 75, reforça a opinião. "Minha presença é mais que dar um remédio ou um banho, é um gesto de carinho", disse. (LS)
Fonte: O TEMPO